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Glam Magazine

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Circadia… Ciclo "Isto é Jazz?"

O nome Circadia pode não fazer disparar as campainhas a quem não reconheça a designação deste quarteto, mas saber que o integram quatro dos mais importantes músicos da cena europeia da atualidade na área da improvisação criativa, Kim Myhr, David Stackenäs, Joe Williamson e Tony Buck (os dois últimos são, um canadiano, o outro australiano, mas vivem no Velho Continente há tempo suficiente para serem considerados europeus), justifica plenamente a expectativa de que este concerto venha a ser um dos mais importantes do ano. Ainda recentemente Stackenäs esteve entre nós, numa pequena digressão da Lina Nyberg Band que deixou ótimas impressões, e decerto ninguém esqueceu a atuação do grupo The Necks, integrado por Buck, na edição de 2003 do festival Jazz em Agosto. Acresce o facto de que Williamson lançou numa editora sediada em Lisboa, a Creative Sources, um seu disco a solo, Hoard, que obteve críticas entusiásticas por cá e lá fora. Ou seja, já estamos cientes do que podem, faltando agora (pelo menos a quem não ouviu o álbum publicado pela banda na Sofa, Advances and Delays) perceber ao que vêm…

circadia@2x.jpgphoto: Micke Keysendal

 

Ora, vêm eles apresentar um projeto de música acústica com duas guitarras, contrabaixo e bateria que ultrapassa totalmente o que se possa imaginar com este formato instrumental. Umas vezes soa como se um enxame de abelhas se agitasse dentro de um recipiente de lata e outras parece algo aparentado com a folk dos Apalaches ou com os blues rurais do Mississippi, numa fórmula original, intrigante e inovadora que tem conquistado o aplauso geral. O ponto de partida é desde logo desafiante: nenhum dos habituais papéis dos instrumentos conjugados se mantém. Por exemplo, podem ser a bateria e o contrabaixo a tocarem melodicamente, com as guitarras sustentando as pulsações, assim como pode acontecer que aquilo a que chamamos "melodia" e "ritmo" sofra radicais transfigurações – já para não falar do plano harmónico, igualmente importante. Nas combinatórias tentadas ao longo das tramas só um fator é certo: o foco na orquestração de todos os elementos.

 

É, no entanto, óbvio que alterar as funções instrumentais por si só não chega, como explica Kim Myhr: “Afastarmo-nos dos desempenhos convencionais pode não ser um gesto suficientemente interessante por si mesmo. Para mim, é importante ver esta questão a uma luz positiva: a instrumentação dos Circadia existe num espaço acústico relativamente livre, ou seja, os instrumentos adotam diferentes funções consoante as circunstâncias, sendo que o acompanhamento e o solo não são papéis cimentados mas meros momentos das abordagens deslizantes pelas quais o grupo passa. Julgo que este procedimento cria uma situação de escuta muito participativa, para além de que torna o fator "tocar" mais ativo para os músicos. Quando eu me dedicava ao jazz, aborrecia-me imenso com as regras que estavam definidas, designadamente as linhas a solo de uma só nota e o suporte ao solista a que eram obrigados o contrabaixo e a bateria. O que nós tentamos fazer é abrir perspetivas, mas sem entender esta questão de uma forma negativa, como se estivéssemos a evitar algo. Corresponde, sim, ao nosso desejo de nos abrirmos a novas possibilidades orquestrais. O termo "orquestração" é muito importante para nós, é nisso que nos focamos.”

Rui Eduardo Pães

 

Culturgest / Pequeno Auditório (Lisboa)

6 de Maio 2016 | 21.30h