Super Bock Super Rock… Segundo dia… O Hip-hop “andou” no ar
Em 2016, Kendrick Lamar seria o responsável pela maior enchente da 22ª edição do Super Bock Super Rock. Na altura o rapper norte americano, considerado um dos melhores do ano, enchia o palco Super Bock, numa noite dedicada ao hip-hop cuja abertura esteve a cargo dos veteranos De La Soul.
Seguindo essa tendência, a edição de 2017 apresentava um dia inteiro, salvo 2 excepções, dedicado ao hip-hop. Do palco EDP ao palco Super Bock, passando pelo palco nacional (LG) e fechando a noite no palco Carlsberg, as rimas e as batidas marcavam o alinhamento do dia 14 de Julho.
A responsabilidade de abrir o dia, mais uma vez no palco EDP, estava entregue ao norte-americano Pusha T. O rapper originário de Virgínia Beach, entrava em palco depois de uma longa introdução do DJ de serviço. “King Push – Darkest Before Dawn: The Prelude” foi apresentado de uma forma corrida e sem alma. Rimas desenfreadas mas sem a alma que se pretendia para um início de concertos neste segundo dia. Pouco comunicativo, limitava-se a descarregar versos sob uma base musical saída da mesa de mistura do DJ que o acompanhava em palco. Uma chama apagada de um artista que conta no currículo com uma mão cheia de (excelentes) discos.
Continuamos no palco EDP, para receber a canadiana Jessie Reyez. Seguindo o exemplo de Pusha T, a jovem entra em palco debaixo de ‘beats’ despejados pelo DJ em palco. “Kiddo” é o único registo que a artista tem, um EP de 7 temas editado já em 2017. A jovem, bastante nervosa em palco, revelou curiosidades da sua ascensão musical, construindo uma carreira a interpretar covers de canções que ouvia e gravando vídeos no youtube. Algumas dessas canções surgem no alinhamento do concerto de estreia em Portugal.
Á guitarra, apresenta algumas das canções que segundo ela, ‘roubou’ a outros artistas para lhe dar a sua alma e vida. Simpática e comunicativa, Jessie agradou aos presentes, apesar da sua música pouco ou nada trazer de novo ao espectro musical.
A viagem deste segundo dia leva-nos ao outro extremo do recinto do festival. KESO, rapper do Porto, esperáva-nos no palco LG. Sentado, aos comandos de uma beat box (MPC para os amigos), o produtor transmitia a sua sabedoria em poesia urbana, como forma de convite para ouvirem as suas batidas. Rimas cruas e agressivas, retratando a sua origem e envolvência, marcaram os minutos iniciais do concerto do Português. O homem de “KSX2016”, acompanhado de sons orgânicos em palco, transmitiu a sua música de uma forma pura, sob o olhar crítico a uma sociedade em crise de valores, quer moral, social e até financeiro. Rude mas sincero, KESO deixou de forma “aquela” que todos queriam ouvir, o tal de “Pintor de interiores”, mas compensou o público com a simplicidade da sua obra mais recente.
No dia dedicado ao hip-hop, KESO a ser protagonista do primeiro grande concerto da tarde.
E seria o hip-hop nacional a retomar o alinhamento do festival no palco EDP com Slow J a sua “The Art of Slowing Down”.
(ver reportagem aqui) *
Se o dia era dedicado à poesia urbana, os The Gift surgiam claramente distanciados do alinhamento proposto para o dia 14 da 23ª edição do Super Bock Super Rock. A responsabilidade da banda de Alcobaça em abrir o palco maior do festival no Meo Arena, revelou-se um ‘erro de casting’.
Uma afluência mínima para assistir à apresentação de “ALTAR”. Em palco a banda de Sónia Tavares mostrou a sua qualidade e precisão na apresentação das canções do novo álbum. Apelou à dança com “Big Fish” mas o retorno era neutro e até acompanhadas de algumas ‘tiradas’ por parte do público “canta aquela”, ao que Sónia respondia de forma simples, “estamos aqui para apresentar o nosso novo disco, Altar”, e foi isso que fizeram, tendo ainda tempo por passar em revista dois temas mais antigos da banda, “Driving you Slow” e “The Singles”, que acabaram por trazer um bocadinho de cor ao ambiente que se vivia no Meo Arena.
No palco EDP, o início da noite era marcado pelo regresso a Portugal de Akua Naru. Depois de ter protagonizado um dos concertos mais electrizantes no Vodafone Mexefest em 2016, Akua motivava uma verdadeira enchente junto ao palco EDP ao início da noite. A norte americana, nascida LaTanya Olatunji, é conhecida pela sua fusão musical e pela inovação que transmite em palco. Akua é sobretudo uma viajante que busca essa fusão em vários locais do globo. Atualmente a viver na Alemanha, Akua faz-se acompanhar em palco de um conjunto de excelentes músicos, dando outra vida ao hip-hop que apresenta. “The Moner’s Canary” é o seu último registo musical, um disco que fala de consciência social e dos problemas globais de uma sociedade transtornada,o que marcou a mensagem que queria transmitir em palco. Ao longo de 50 minutos, Akua foi tudo isso, e a alma (soul) da sua música encheu sem dúvida aquele espaço no alinhamento do festival.
Se Slow J tinha proporcionado o concerto do dia, o palco LG recebia o Grande senhor do hip-hop nacional. NBC trazia a mensagem… “Toda a gente pode ser tudo”, recordando o início da sua aventura musical em 1994, quando toda a gente o criticava, e hoje 23 anos depois, está ali, como Slow J esteve no Palco EDP como fez questão de dizer, a inovar e a trazer algo novo ao rap.
Em palco “dois” traz a companhia do seu filho, a passagem de testemunho como orgulhosamente afirma, um testemunho que é a prova que o hip-hop que produz tem um futuro e não esta condenado, como vaticinavam em 1994.
“Toda a gente pode ser tudo”, nome do último disco, foi definitivamente a palavra-chave para um concerto de reencontro com os fãs do músico. Virgul passou ainda pelo palco para dar aquele toque no refrão de “Nú”. Num dia de altos e baixos, NBC proporcionou um momento alto no alinhamento do festival.
A noite aproximava-se do final e 3 concertos faziam-se anunciar. Os britânicos London Grammar faziam soar a sua música pelo palco Super Bock. O MEO Arena recebia as canções de “Truth is a beautiful Thing”, o disco de 2017, editado dias antes do concerto, da banda de Hannah Reid, mas também alguns dos temas mais marcantes do trio, tais como “Strong” ou “Hey now”. Um concerto melodioso, bem assente na voz de Hannah, mas igualmente fora do contexto de um dia dedicado ao hip-hop. Uma afluência tímida de início, compondo-se já no final em parte para ‘guardar’ lugar para o cabeça de cartaz da noite, Future.
No palco EDP a noite fechava com a ‘super banda’ Língua Franca. Projeto luso-brasileiro que junta Capicua, Valete, Emicida e Rael. Os 4 rappers gravaram um disco onde a lusófonia se une na vertente do hip-hop. A junção de duas culturas urbanas através das rimas dos dois lados do Oceano como forma de divulgação da cultura lusófona. Expectativas grandes quando em palco se encontram estes 4 grandes nomes. A abrir “Génios Invisíveis” com os 4 MC’s a alternar as rimas entre si. “Ela”, a faixa que fecha o disco do colectivo seguia-se no alinhamento. A energia transmitida pelo grupo era contagiante e o público segurava o concerto de uma forma envolvente sabendo as letras e os beats das canções.
Capicua tomava as rédeas do concerto com “Maria Capaz” e “Vayorken” sendo a palavra dada a Valete com a agressividade de “Rap Consciente”, tema que conquistou do início ao fim o público que estava a vibrar com os MC’s em palco. Emicida e Rael trouxeram a palco os seus projectos pessoais fechando a apresentação com o tema que abre o disco do projecto “Língua Franca”, “Amigos”… E foi uma amizade acima de tudo que proporcionou em palco esta união dos dois lados do Atlântico. Uma aposta ganha provando mais uma vez o dinamismo do hip-hop em Português….
A fechar a noite…. Future…
Future assumia-se como o headliner do 2º dia do festival. Nome maior do hip-hop norte-americano, Future fez a sua estreia em 2017 com dois álbuns lançados no espaço de 1 semana. Se com Slow J e NBC os beats eram maioritariamente orgânicos, em Future são o oposto. A música foi criada de um modo artificial. Canções curtas debitadas rapidamente durante pouco mais de 60 minutos, marcaram o concerto do artista que prometia uma enchente semelhante à de Kendrick Lamar em 2016, mas que rapidamente se veio a verificar que ambos os músicos ‘jogam’ em equipas opostas. Se Lamar traz o ‘tradicional’ hip-hop, apelativo e capaz de gerar uma envolvência do público, Future faz o oposto, cru, frio e até rude, distancia-se do público à medida que o concerto evolui. Perde-se em quase 3 dezenas de canções que não provocam qualquer interacção com o público. Muitos afirmaram que era o futuro, mas se o futuro do hip-hop é assim, então queremos ficar, definitivamente no passado.
Uma noite que prometia, com bons concertos mas que termina sem a chama acesa que se pretendia. Uma noite de glória e de afirmação do rap cantado em Português, seja em Portugal, seja do outro lado do oceano com Emicida e Rael a partilharem essa afirmação.
(London Grammar e Future não autorizaram a captação de Fotografias dos respectivos concertos)
Reportagem: Sandra Pinho
Fotografias: Paulo Homem de Melo
* Actualizado a 18 de Julho